21 jan O consumo de reativos e a “geração distribuída”
Na edição de julho/2020, esta coluna tratou de questões sobre o consumo de energia reativa e a geração distribuída (GD). O artigo pode ser recuperado no link: https://osetoreletrico.com.br/o-consumo-de-reativos-e-a-geracao-distribuida/
Voltamos ao tema, pois, em função da evolução das plantas de geração distribuída, especialmente as solares fotovoltaicas – FV, onde surgiram diversos casos práticos que merecem atenção quanto ao entendimento da questão da compensação reativa em consumidores/produtores de energia. A temática pode ser estendida para outros cenários semelhantes a esses sistemas, como os de armazenamento que poderão também “gerar” energia no sentido da carga para a fonte e mesmo em sistemas de geração eólica, biomassa ou combustíveis fósseis quando a fonte injeta energia com fator de potência (FP) próximo a 100%. O comportamento relativo dos vetores que representam as potências ativa (P), reativa (Q) e aparente (S) nos quatro quadrantes define com clareza as situações associadas ao perfil de carga consumida e da GD conectada. Essas situações irão impactar o fator de potência horário do consumidor registrado pela distribuidora, a cobrança de excedentes de energia reativa e o modelo de sistema de compensação a ser implantado. As avaliações a seguir serão feitas apenas em 60 Hz, conforme definição do FP no Módulo 8 do Prodist-Aneel (potência ativa e potência reativa em quadratura).
Os quatro quadrantes
A Figura 1 indica os quatro quadrantes (QI a QIV) que referenciam as posições dos vetores das potências. No caso ilustrado, as potências ativas e reativas estão no quadrante I, a potência gerada pela GD no quadrante Q II e a potência reativa injetada ou compensada por capacitores no quadrante Q IV. As resultantes variam de quadrante em função de suas composições.
Em que:
P1 – Potência ativa da carga;
PG – Potência ativa injetada pela GD;
P2 – Potência ativa resultante;
Q1 – Potência reativa da carga;
Qinj – Potência reativa compensada por capacitores;
Q2 – Potência reativa resultante;
S1 – Potência aparente da carga na situação original (P1/Q1);
S2 – Potência aparente com injeção da GD;
S3 – Potência aparente com injeção de GD e compensação reativa;
Φ1 – Ângulo de fase da carga;
Φ2 – Ângulo de fase da composição carga e GD.
Como consequência das compensações variáveis das energias ativa (pela GD) e reativa (por capacitores), o ângulo de fase -ϕ em 60 Hz e o fator de potência assumirão valores conforme a dinâmica da carga, da energia injetada e do sistema de compensação reativa, se existente. Como as cargas e a energia injetada pela GD são normalmente variáveis, o sistema de compensação reativa também deve ser e as resultantes vetoriais nos quatro quadrantes assumem valores em função dessa composição instantânea e são integradas a cada hora conforme a Aneel 414, que prevê a tarifação do excedente de energia reativa abaixo reproduzidas de forma editada:
- Fator de potência: razão entre a energia elétrica ativa e a raiz quadrada da soma dos quadrados das energias elétricas ativa e reativa, consumidas em um mesmo período especificado;
- A integração das energias ativa e reativa são efetuadas em períodos de uma hora. Portanto, 720 a 730 intervalos por mês;
- O fator de potência de referência “fR”, indutivo ou capacitivo, tem como limite mínimo permitido para as unidades consumidoras do grupo A o valor de 0,92. (Redação dada pela REN Aneel 569 de 23.07.2013);
- Aos montantes de energia elétrica e demanda de potência reativos que excederem o limite permitido, aplicam-se as cobranças estabelecidas nos arts. 96 e 97, a serem adicionadas ao faturamento regular de unidades consumidoras do grupo A, incluídas aquelas que optarem por faturamento com aplicação da tarifa do grupo B nos termos do art. 100. (Redação dada pela REN ANEEL 569 de 23.07.2013);
- Os valores correspondentes à energia elétrica e demanda de potência reativas excedentes são apurados conforme as seguintes equações:
Sendo as variáveis resumidamente definidas (ver texto completo na resolução Aneel 414 no artigo 96):
- ERE = valor correspondente à energia reativa excedente;
- EEAMT = energia ativa medida em cada intervalo “T” de 1 (uma) hora, durante o período de faturamento;
- fR = 0,92;
- fT = fator de potência calculado em cada intervalo “T” de 1 (uma) hora;
- VRERE = tarifa aplicável para excedente de energia reativa;
- DRE(p) = valor da demanda de potência reativa excedente à quantidade permitida pelo fator de potência de referência “fR” no período de faturamento, em Reais (R$);
- PAMT = demanda de potência ativa medida no intervalo de integralização de 1 (uma) hora “T”, durante o período de faturamento, em quilowatt (kW);
- “PAF(p) = demanda de potência ativa faturável, em cada posto tarifário “p” no período de faturamento, em quilowatt (kW);
- VRDRE = valor de referência, em Reais por quilowatt (R$/kW);
- T = indica intervalo de 1 (uma) hora, no período de faturamento;
- “p = indica posto tarifário ponta ou fora de ponta;
- n1 = número de intervalos de integralização “T” do período de faturamento para os postos tarifários ponta e fora de ponta; e
- n2 = número de intervalos de integralização “T”, por posto tarifário “p”, no período de faturamento.
Observando-se na Figura 1, as potências ativas P1, PG e P2, essa resultante da diferença de P1 e PG pode ser entendida como potências instantâneas ou se definidas conforme Aneel 414, demandas médias no período de uma hora, ou o saldo da energia ativa (diferença da gerada e consumida) neste período de uma hora, numericamente igual à demanda média. Notar que, caso a energia injetada pela GD seja superior àquela consumida pela carga e apesar da situação configurar um vetor no Q II, não se pode considerá-lo exatamente dessa forma pela definição da resolução 414, já que o fator de potência é calculado em função da energia resultante (sempre positiva). Contudo, a questão é interpretativa e a falta de regulação adequada a esse tema dificulta o entendimento, não físico, mas relacionado ao próprio modelo de faturamento.
As potências aparentes do conjunto variam em função do comportamento instantâneo (ou horário no caso de tarifação pela 414) e os valores variam de S1 para S2 em função da GD. O ângulo de fase ϕ1 muda para o ângulo de fase ϕ2 reduzindo o fator de potência do sistema conforme a conhecida relação trigonométrica do cosseno do ângulo.
Para essa compensação, pode ser necessário injetar potência reativa (Qinj) para se compensar o consumo de potência reativa excedente objetivando a readequação do ângulo de fase. Notar que, se previamente o sistema não possuir compensação reativa (capacitores) por não ser necessário ou caso o consumidor preferir pagar o excedente, após a inserção da GD, o cenário muda sendo os novos valores a serem injetados superiores aos anteriores, portanto, caso já exista o sistema de compensação, deverá ser alterado e caso não existisse, certamente deverá ser instalado, conforme adiante desenvolvido.
Exemplo:
A Figura 2 apresenta uma curva de carga típica industrial com demanda máxima de aproximadamente 300 kW e fator de potência que varia de 92% a 96%. Sob o ponto de vista de não pagamento de excedente de energia reativa, não há razões para que se implemente sistema de compensação de energia reativa (banco de capacitores).
A indicação FP1 indica o Fator de Potência natural da carga.
Assumindo-se a potência ativa injetada no Q II, a curva de carga pode ser representada conforme mostra a Figura 3, com modelamento da potência injetada como negativa. A indicação FP2 indica o fator de potência modificado em função da injeção de potência ativa pela GD.
A Figura 4 apresenta o detalhamento da Figura 3 em período crítico.
Observa-se que o fator de potência registrado ao meio-dia ou às 15 horas chega a ser menor que 0,2 e a indicação de FP<0 indica que a energia injetada é maior que a consumida, uma interpretação matemática que prescinde de regulação. A situação é aleatória e depende da quantidade de potência ativa injetada pela GD ou uso de outra fonte, como exposto. A Figura 5 representa os vetores das potências ao meio-dia, e a Figura 6 às 15 horas.
O que se observa é que, tanto no QI ou no QII, o fator de potência em situações de potência gerada próximas às consumidas pela carga atinge valores de fator de potência muito baixos e, caso a injeção da GD não seja efetuada com FP da ordem de 90%, deve-se prever um sistema de compensação reativa adequada.
O assunto continua na próxima edição.
Agradecimentos aos colegas por colaborarem com o artigo: Javier Aprea, da Aprea Engenharia; Claudio Puga e Ricardo Silva, da Landis Gyr; José Teodoro, da CPFL; e Prof. José Rubens Macedo Jr., da UFU.
Autor:
Por José Starosta, diretor da Ação Engenharia e Instalações e membro da diretoria do Deinfra-Fiesp e da SBQEE.
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Fonte: www.osetoreletrico.com.br